domingo, 26 de fevereiro de 2012

Crônicas Manuel Botelho

Caros amigos, recebi uma grande honra, o direito de postar algumas crônicas do Prof. Engenheiro Manoel Henrique Campos Botelho, formado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo em 1965, autor entre vários livros de "Concreto Armado Eu Te Amo".
Postarei suas crônicas aos poucos, (é claro que vou valorizar - risos)...

Enigma estrutural - Teste estático X  teste dinâmico
Como testar empiricamente uma laje de salão de baile

Por Manoel Henrique Campos Botelho , eng civil autor do livro “ Concreto armado eu te amo “, Vol 1 e 2
abril  2003

A história
Recentemente no Estado de S.Paulo ruiu uma estrutura de um clube durante um show de roque pauleira. Houve muitas mortes e feridos. Face a isso recebi dois email (s) com o mesmo assunto. Dois engenheiros municipais de duas cidades deste nosso pais contaram-me que já enfrentaram o seguinte problema:
Seja  uma estrutura concebida estruturalmente para um fim ( por exemplo para estocar matéria prima ) e com carga acidental de projeto da ordem de 400 kgf/m2. Admitamos que a estrutura foi construída atendendo ao projeto estrutural, ou seja cargas estáticas de até 400 kgf/m2 são plenamente aceitáveis. Eis que há uma mudança de uso e essa laje passa a ser usada para shows de roque pauleira com todo o mundo pulando e com carga estática ( participantes por hipótese parados ) já se aproximando da carga de projeto. Com a agitação dos participantes as condições de esforços, agora dinâmicos  seguramente ultrapassarão os limites de projeto.
Prefeitos cuidadosos, que não são a maioria , lamentavelmente, pedem ao engenheiro municipal que faça um teste com a estrutura para liberar a estrutura para uso nesses shows. Regra geral o engenheiro municipal encarregado da verificação da estrutura para esse novo uso só poderá fazer um teste estático por exemplo carregando a estrutura com sacos de areia simulando as cargas. Agora fica a questão : com que carga de teste estático deveremos testar a estrutura em condições dinâmicas ????????????. A carga estática do projeto e admitindo-se a observância do projeto na execução da obra foi 400 kgf/m2.
Ficam as seguintes questões:
1) Qual deve ser a carga de teste para simular a situação da estrutura durante o show de rock pauleira ( heavy metal dizem os gringos ).
2) É possível simular com teste estático uma situação dinâmica ?
Não respondi ainda aos dois consulentes e espero a colaboração dos colegas para ajudá-los nesta questão que os livros não contam e que corresponde a uma realidade constante face ao surgimento de novas casas de show e academias de ginástica.
Quando responder aos dois consulentes desesperados darei crédito das colaborações estruturais recebidas dos amigos.
Um abraço

Manoel Henrique Campos Botelho


Resposta de um consulente:
Botelho
A prova de carga é a melhor das provas. Sugiro que o colega municipal  promova em cima da laje em pauta bailes seguindo estritamente a ordem seguinte:
- Baile da Saudade com o conjunto musical Vovôs da Valsa,
- Baile com o conjunto " Angels of Heaven " ( Anjos do Céu )
- Baile com o conjunto "  Angels of Hell  " ( Anjos do Inferno )
- Baile com o conjunto " The Demons of Heaven " ( Demônios do Céu )
e finalmente,  se nada, mas nada mesmo  aconteceu:
- Baile com o conjunto " The Demons of Hell ".( Demônios do Inferno )

Se tudo der certo, libere em geral....
Se você não acredita na diferença entre cargas estáticas e cargas dinâmicas pegue o peso de 1 kgf e coloque numa balança de mola ( dinamômetro ) . Ao se colocar, mesmo com cuidados, esse peso de 1 kgf a balança chegará a valores próximos de 1,5 kgf só depois retornando para mostrar a medida de 1 kgf. Por décimos de segundos ocorreu uma carga dinâmica. Nos salões de baile a solicitação dinâmica acontece quase que continuamente.

abril  2003

Manoel  Henrique  Campos  Botelho - Eng. Civil

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Conversa com o Mestre.

Amigos, temos todos em Belém um Mestre muito especial, o Engenheiro Civil Archimino Athayde, o Kimico. Professor de todos, ele nos brindará com textos sempre que possível, enriquecendo este blog com sua imensa experiência de vida e de engenharia.
Em seguida, o 1o post do Mestre em nosso blog.



BATE PAPO COM O ENGENHEIRO
  
Vivo em parceria com a engenharia a 50 anos;
Aos 14 anos, comecei como apontador em obras da Conspara (Construtora Paraense Ltda), então segui como almoxarife, comprador de materiais, auxiliar de eletricista etc., etc., etc.

Chamo-me Archimino Cardoso de Athayde Neto e desde meu nascimento a família me deu o apelido de Kimico, que é como efetivamente sou conhecido.

Graduado em engenharia civil pela UFPa e pós graduado em engenharia de estruturas pela USP, trabalhei no magistério na UFPa, UNAMA e FACI, com bem mais de 2000 ARTs assinadas, trago comigo um enorme arquivo de casos técnicos, filosóficos ou simplesmente casos, vividos nessa parceria.

Sem compromisso e sem cronograma, vou aproveitar o blog do Marcello para me encontrar com os engenheiros e falar de alguns tópicos ou, trabalhos ou, crônicas, em fim, falar de engenharia.



ENCONTRO  N0 – 1

Este primeiro papo, será sobre a ARQUITETURA DA ESTRUTURA.

A arquitetura da estrutura é o desenho do sistema que será calculado.
Trata-se de desenhar sistemas estaticamente equilibráveis, com geometria sutil, que não prejudique a expectativa das formas do projeto arquitetônico e sobre tudo, sejam perfeitamente funcionais ao fim a que se destinam.

Peças estruturais – São corpos constituídos de qualquer material sólido, com capacidade de receber e transmitir cargas.

Sistemas estruturais – São as estruturas propriamente ditas, são o conjunto de peças estruturais dispostas de maneira estratégica de modo a ter capacidade de receber as cargas exteriores e ir transmitindo peça a peça até que cheguem à Terra, que é o apoio final e definitivamente equilibrante.

Vou ilustrar esta conversa com exemplos conforme segue:

Ex. 1: A estrutura mínima de uma edificação:



Ex. 2: Caso real que atende as condições de equilíbrio estático porem com um desenho que prejudica a sutileza da estética.




Ex. 3: Caso real em que as lajes tem borda livre sem as pontas de viges aparentes.



Observar a sutileza deste caso de lajes com bordos livres
A arquitetura da estrutura, além da estética, visa encontrar soluções para as questões estruturais.

Ex. 4: Vejamos agora um exemplo estritamente estrutural, com a precaução de não agredir o desenho arquitetônico do imóvel (caso real).

O desenho é um trecho da planta de fôrma da edificação usada neste exemplo.
As sapatas excêntricas e os pilares fazem parte do projeto estrutural original da edificação.
Aconteceu uma fratura no calcanhar da sapata (ligação entre o pilar e a sapata).
A arquitetura da estrutura de reforço consistiu na introdução das estacas mega e da travessa de concreto armado.

Detalhe da sapata excêntrica e marcação da linha de fratura.
A viga travessa realmente passa por dentro do pilar; Recebe a carga do pilar e transmite para as estacas mega. As estacas mega, transmitem a carga da travessa para o solo liberando a função das sapatas excêntricas.
O reforço, não agride a arquitetura do imóvel porque resulta embutido totalmente na parede.



Concluindo:
 
Nesse primeiro encontro a intenção foi basicamente definir o termo arquitetura da estrutura.
Nos próximos encontros, vamos conversar sobre: O risco de se aplicar a sapata excêntrica, sobre o detalhamento correto da mesma, os detalhes construtivos do exemplo 4 e sobre a utilização da estaca mega.

Kimico
21/02/2012

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Instabilidade e efeito de 2ª ordem.

Vamos tratar neste post a instabilidade e o efeito de 2ª ordem global.
Basicamente, estes efeitos estão ligados a flexibilidade das estruturas.
São controlados através de parâmetros como "ɣz", "α" e o cálculo dos deslocamentos do topo da edificação,
O descontrole destes parâmetros tem duas importantes consequências:
1- A desconsideração de cargas que podem alcançar uma magnitude tal, podendo levar uma edificação a ruína.
2- Desconfortos causados por deformações excessivas, tais como fissuras, descolamento de rebocos e revestimentos de fachadas, rompimento de instalações e vazamentos e etc.

A Norma NBR 6118-2003 no seu capítulo 15 trata especificamente deste tema e no item 15.2 o conceitua assim:
“Efeitos de 2ª ordem são aqueles que se somam aos obtidos numa análise de primeira ordem (em que o equilíbrio da estrutura é estudado na configuração geométrica inicial), quando a análise do equilíbrio passa a ser efetuada considerando a configuração deformada.”
A verificação da estabilidade global visa garantir a segurança da estrutura perante o Estado Limite Último de Instabilidade.

Vamos fazer algumas analogias muito simples. Primeiramente, para entendermos de forma simplificada os efeitos de 1ª ordem e os de 2ª ordem.

Imaginem um pilar engastado na base, com uma carga centrada aplicada no seu topo, em seguida, vamos aplicar uma carga horizontal também no topo, de tal forma que esta carga gerará um “momento fletor” de engstamento na base. A estrutura irá deformar e este é o efeito de primeira ordem. Sigam a ilustração a seguir.



Porem, após a deformação inicial, com as mesmas cargas solicitantes sobre a estrutura agora deformada, aparecerá um momento de segunda ordem, resultante do carregamento multiplicado pela distância deformada.

Haverá então um processo contínuo, que cessará quando o acréscimo de deformação tender a zero. Caso não haja esta convergência a estrutura será considerada instável, impossível de se estabilizar.


A NBR 6118-2003 capítulo 15 item 15.5 descreve sobre a dispensa da consideração dos esforços globais de 2ª ordem. Atualmente é consenso na classe de calculistas utilizar o processo descrito no item 15.5.3, que apresenta a formulação do cálculo do coeficiente ɣz.
O coeficiente ɣz, permite avaliar a magnitude dos efeitos de 2ª ordem sobre os efeitos de 1ª ordem. O calculo do  ɣz deverá ser efetuado para cada caso de carregamento de vento.
A mesma norma recomenda que:
Se ɣ< 1,1 , considera-se que a estrutura é de nós fixos e pode-se desconsiderar o efeito de 2ª ordem.
Se 1,1< ɣ< 1,3 , deve-se aplicar os efeitos de segunda ordem no cálculo da estrutura.
Se  ɣ> 1,3 , a estrutura deve ser considerada instável.

No cálculo das edificações, os projetistas de estruturas utilizam dois processos para dimensionar as peças estruturais com o efeito de 2ª ordem.
Através do cálculo do P∆, processo interativo, onde o sistema irá calcular o pórtico espacial (o edifício) diversas vezes, até que as deformações tendam a zero, dimensionando as peças estruturais para a resultante final desta estrutura deformada.
Ou através da majoração dos esforços pelo valor do ɣz.
Ambos os processos dão resultados excelentes e muito próximos.

Vamos fazer outra analogia para entender melhor como essa análise influencia nas peças estruturais de uma edificação:
Imaginem agora uma mesa com o tampo em compensado com chapa de 10mm de espessura (a laje). Os pés desta mesa serão formados por quatro ripas de madeira branca (os pilares).
Esta mesa fica em pé, mas ao aplicar uma força lateral ela tombará com certa facilidade.
Isto é uma estrutura com pouca estabilidade global, muito sujeita aos efeitos de 2ª ordem.
Para esta mesa ficar segura, poderemos trocar o tampo e os pés por um material mais resistente, por exemplo uma madeira de lei ou aço. Aumentando a resistência das peças estruturais.
Em analogia, o ɣz faz isso, pois ao majorar os esforços nas peças, dimensionaremos as mesmas com mais aço.

Mas, e se a instabilidade for muito alta?

Bom, se nós colocássemos uma tábua contornando os pés, fazendo um percintamento (as vigas) na altura do tampo (a laje) e trocássemos os pés de ripa por uma peça de madeira (pilares maiores), de tal forma que a mesa ficará bem mais robusta e rígida e ao aplicar a mesma força lateral ela terá uma resistência maior à solicitação do carregamento.
Este é o caso de quando o ɣz ultrapassa o limite de 1,3 e precisamos então enrijecer a estrutura. Para isso muitas vezes precisamos criar pórticos ligando os pilares com vigas, aumentar as seções de vigas e pilares, ou criar pilares com seções em “L”, “U”, "T" e etc.

Conclusão:
Quando calculamos uma edificação, verificamos a estabilidade global e os efeitos de 2ª ordem na estrutura.
Esta verificação poderá gerar um majorador dos esforços de primeira ordem que resultará numa estrutura até 30% mais resistente, preparando-a para o acréscimo de esforços que poderá vir a existir.
Se esta estrutura estiver exageradamente instável, deveremos mudar a concepção estrutural e/ou aumentar as seções das peças estruturais, de tal forma teremos uma estrutura mais estável e resistente.
Vale salientar que qualquer edificação deve ter esta análise, mesmo as de pequeno porte.


Um grande abraço a todos.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Abertura

Olá a todos! Blog aberto!
Convido-os á falarmos de Belém e de nossa Engenharia.
Espero conseguir levar a vocês assuntos técnicos, éticos, curiosidades e o que der papo.
Conto com a participação de todos para enriquecer o blog com comentários, idéias e críticas.

Para começar, separei algumas fotos de obras que estão no nosso caminho.
Depois de prontas, esquecemos de como elas são especiais e que tem muita engenharia nelas.

1- O pórtico de entrada do Clube Assembleia Paraense.
Projeto do Arq. Aurélio Meira, é uma estrutura mista de concreto protendido e estrutura metálica. Ela só tem o apoio da parede do lado esquerdo de quem entra na AP, a cobertura é um imenso balanço engastado nesta parede.

2- As torres da Construtora Village, Sun e Moon.
Projeto do Arq. Walter Borges, a Village foi ousadíssima e construiu os prédios residenciais mais altos de Belém, com 40 andares cada. Acho que lá de cima deve dar pra ver até a África (rsrsrsrsrsrs).

3- O Centro de Convenções Hangar.
Projeto do Arq. Paulo Chaves e equipe, transformou um velho hangar da aeronáutica em um belíssimo centro de convenções. A estrutura nova ao lado é um prédio em concreto protendido com a laje do salão principal com um vão livre sem pilares de 25 por 60metros.

4- Pórtico do Condomínio Água Cristal.
Projeto do Arq. Raul Ramos.
O Arq. Raul Ramos surpreendia a cada novo empreendimento, belos e ousados. Brincávamos no escritório que ele e o Eng. Kimico não podiam sentar juntos pra analisar projetos, porque sempre culminava em algo fantástico, porem, nós (reles mortais)  penávamos para calcular e executar depois.

5- Ed. Comercial Síntese Plaza.
Projeto do Arq. Raul Ramos, esta obra ainda está em execução, ela terá no meio do prédio uma praça aberta, saindo da projeção da torre com uma estrutura em balanço de concreto protendido.



Bom, estas estavam na mão, depois procuro outras.
O próximo post terá um assunto técnico, falarei sobre Instabilidade e efeito de 2a ordem nas estruturas.
Matéria responsável por um bocado das patologias em nossos prédios.
Será um assunto legal para quem quer entender melhor o que fazemos no cálculo estrutural e também para os curiosos, porque todo brasileiro é assim né, tem um pouco de médico, de engenheiro, de advogado... (rsrsrs)
Grande abraço.