Caros amigos, a seguir lhes apresento uma crônica escrita pelo Prof. Eng. Manoel Henrique Campos Botelho, escritor de 'Concreto Armado - Eu Te Amo' (entre outros livros). Uma de algumas que me foram disponibilizadas em 2012 pelo autor para postagem neste blog.
COMO É DIFÍCIL RECEBER HONORÁRIOS DE ENGENHARIA
"Já faz alguns anos que esta história aconteceu. Recebi uma
ligação telefônica convidando-me para dar uma consultoria em assunto de tratamento
de água para duas estações que funcionavam mal em um estado da federação. E o
convite veio com mais um pedido, um honroso convite. Que na minha estada nessa
cidade eu desse dois cursos . Seria um trabalho para duas semanas de estadia. E
veio em tom alarmante. E venha logo que nossa água está péssima...
Quem me ligava era um engenheiro da prefeitura da cidade e
que também dava consultoria para uma indústria que consumia grande volume de
água fornecida pelo serviço de água da cidade.
Eu estava cheio de serviços e a ida por duas semanas seria um
problema mas como aprendi com o saudoso Mestre Eurico Cerruti , problema em
engenharia se transforma em custo e então propus honorários altos, bem altos , fato aliás que enfatizo não é
minha rotina , informação que faço agora
aos meus futuros possíveis
clientes....
Minha proposta de honorários era para ser negociada mas para minha surpresa e
alegria a resposta foi:
-Para ter o senhor aqui , aceitamos sua proposta de
honorários.
Então tive de aceitar
e daí a uns dias embarquei. Mas falemos da preparação da viagem , item
estratégico na vida de qualquer profissional.
Para preparar uma viagem tenho uma relação pronta como lista
de verificação ( check list se quiserem ):
-carteira do CREA,
-cartões de visita, muitos cartões,
-óculos de reserva,
-papel timbrado,
-cópias de algumas crônicas ( só as
boas ) para dar de presente,
- alguns remédios contra a pressão
alta,
e os itens importantes sem os quais não
viajo:
-talão de recibo de profissional
autônomo,
-talão de notas fiscais de minha
firma.
Juntado esse material senti-me preparado para qualquer
guerra. O colega que está lendo esta crônica levaria algo mais?
E lá fui.
A recepção no aeroporto foi extremamente cordial e fui
avisado que para promover os meus cursos eu daria uma entrevista no jornal da
cidade.
Comecei a trabalhar e o meu contato , o mesmo colega que me
convidara pelo telefone, revelou-se extremamente organizado e eficiente.Fiz a
ele esse elogio mas ele corrigiu-me ao elogiar sua eficiência e falou:
- eu procuro ser mais que eficiente.
Procuro ser eficaz. Fiz um curso de " modern management" e adoto a
política de " full responsability " ou seja cuido de tudo . Mesmo
delegando e terceirizando considero-me responsável por tudo.
Foi realmente delicioso trabalhar com um cliente
assim. Passagens entregues na mão, hotel reservado, reuniões agendadas ,tudo
certo.
Passou a primeira semana e tudo ia como descrito e entramos
na segunda semana.Como falei, tudo
estava ótimo mas o certo era dizer que era quase tudo. Já estávamos na
terça feira da segunda e última
semana e nada de falarem de pagamento. O
fato não me surpreendia pelo inusitado e então de forma suave , muito
discretamente, espero, no almoço fiz uma pergunta sutil e inocente:
- Caro colega, você sabe o número do
CGC do órgão cliente para eu ir preparando o recibo de pagamento.... Por lei
federal todo recibo deve ter CGC...
Claro que na verdade a minha enorme preocupação com o CGC do
cliente era uma desculpa para tocar no assunto pagamento. Aí tive uma resposta
surpresa do colega que usava a técnica da " full responsability " :
- Eu cuido de toda a parte técnica,
organizacional e estratégica. Agora essa parte do pagamento é claro que não é
comigo, mas vou te ajudar e falar com a pessoa que deve estar cuidando disso.
Alias conseguimos que quem lhe pague seja a prefeitura da cidade. Tudo deve dar
certo.
Notaram a expressão " deve" ? Convenhamos era sinal
de grande preocupação para mim .
No dia seguinte fui falar com a pessoa que devia me pagar
acompanhado do meu coordenador. A conversa não começou bem . Ouçam o que eu
ouvi:
- Como quem vai pagar é a prefeitura da
cidade cabe uma pergunta. O senhor ( ele estava referindo-se a mim ) já está cadastrado
na nossa lista de fornecedores ?
Gelei. Claro que eu não estava cadastrado , mas explicaram-me
que era apenas uma rotina. Comprar de um despachante um impresso (claro está
que na prefeitura não havia o impresso) e pagar no banco estatal do governo
daquele estado. A taxa era mínima, algo como dez reais.
Ponderei preocupado que tudo isso poderia atrasar o pagamento
e olhei procurando ajuda ao meu coordenador mas meu olhar de ajuda não
encontrou resposta de solidariedade talvez pelo fato da
" full responsability " não penetrar no
pecaminoso mundo do dinheiro. Aí a
pessoa encarregada do pagamento tirou minhas preocupações:
" -Não se preocupe. Pagando no
banco como temos um sistema modernismo de informática em tempo real dai a um
milionésimo de segundo sua firma estará cadastrada como nosso fornecedora.
Feito isso solicitaremos da nossa assessoria jurídica autorização para
contratá-lo sem concorrência e até sexta feira poderemos emitir a ordem de
pagamento."
Detalhe- eu ia voltar no vôo noturno dessa sexta feira e
portanto no caminho critico, eu estava sem volta.
Por um segundo pensei em mostrar uma certa irritação pelo fato do pagamento
estar cercado de tantos problemas tendo até que passar pelo Depto Jurídico .
Foi bom eu não ter estourado pois novas más noticias estavam por chegar.
Atenção para a próxima pergunta feita pelo homem chave do meu pagamento:
-Como o senhor deve saber , só
pagamos por ordem de pagamento para conta bancária no banco do nosso estado. É
para valorizar nossa economia. Sua firma seguramente deve ter conta no nosso banco , não tem ?
Não , eu e nem minha firma tínhamos conta bancária no banco
estatal daquele estado. Meio desesperado alertei desse fato e ouvi com a calma
dos anjos justos :
- se não tem conta basta abrir.
Precisa do contrato social da firma e da assinatura dos sócios estatutários (
minha esposa entenda-se e que estava a milhares de quilômetros do local)
Ai estourei. Mostrei que na negociação que fizera pelo
telefone nada disso fora me alertado e que eu trouxera o máximo que era o talão
de notas fiscais e recibo e que seria impossível para mim trazer mais coisas .
Acho que fui contundente e as duas pessoas presentes, o pagador e o coordenador
" full responsability " ficaram preocupados e decidiram:
- procurar de imediato o secretário de finanças da prefeitura para
autorizar " in extremis " um pagamento direto,
- procurar o departamento jurídico
para apressar a liberação do contrato .
Chegou quarta feira e quinta feira e nada de noticias. A
sexta feira, data da volta, chegava de
forma ameaçadora...
Eu já demonstrava no
trabalho uma certa irritação principalmente face uma ligação de casa que meus
familiares fizeram, solicitando que como
eu estava perto da fronteira e como ia receber altos honorários , devia levar
para casa uma lista de coisas estrangeiras. Eu só pensava : se eu receber....
Só na sexta feira de manhã o Depto Jurídico liberou o
contrato e só as três e meia da tarde eu
pude ir ao banco para receber. O pagamento seria em dinheiro face a
excepcionalidade do fato. Ponderei ao meu coordenador que seria problemático
viajar com dinheiro na mão principalmente levando em conta que face à alta
inflação da época a quantidade de notas era enorme quando ele teve uma idéia
genial. O meu banco ( leia-se banco que tenho conta ) tinha uma agência em
frente à agência do banco estatal. Bastava eu atravessar a rua com o dinheiro
na mão que eu faria o depósito na minha conta no meu banco graças aos sistemas
de computação que servem aos bancos do país. Assim foi e tão logo recebi,
atravessei a rua e faltando cinco minutos para se encerrar o expediente
bancário lá estava eu com o dinheiro
diante do caixa e feito o depósito dai a um milionésimo de segundo o dinheiro
estaria na minha conta bancaria em S.Paulo. Ai aconteceu mais uma etapa da odisséia.
O caixa do meu banco avisou :
- Não podemos aceitar seu depósito
pois nosso sistema nacional de computação esta fora do ar. Nosso estado tem
defasagem de três horas em relação ao horário de Brasília. Neste momento só
aceitamos depósitos para o nosso estado.
Gelei e acompanhado pelo coordenador full responsability fui
falar com a gerente do banco que declarou;
- Não tenho como alterar o sistema de
computação do banco. Uma solução é o senhor deixar o dinheiro em confiança
comigo e eu deposito na segunda feira para o senhor....
Ai o coordenador " full responsability " que estava
em silencio sepulcral falou quando seguramente não devia ter falado:
- Botelho, pode deixar o dinheiro com
a gerente em confiança. Eu conheço o primo dela e é boa gente.... Seguramente
segunda feira ela deverá depositar o dinheiro na sua conta...
Como dizer não nessa situação ? Eu não queria mas qual outra
alternativa? .Todavia era visível o meu constrangimento. Deixar com uma pessoa
estranha o meu rico dinheirinho... Ai
uma funcionária que acompanhava a conversa lembrou:
-Uma outra alternativa será
comprar um cheque administrativo no
valor do dinheiro.
Enfim uma luz no túnel. Expliquei a gerente que não queria
sobrecarrega-la de responsabilidades e com a maior das felicidades mandei fazer
o cheque administrativo em tão boa hora lembrado.
Foi a salvação. Paguei o pequeno valor da emissão do cheque administrativo e finalmente pus a
mão no dito cujo.
O final foi feliz apesar de todos os sustos e receios. Deu
ainda tempo de voltar ao hotel e participar do coquetel de despedida de um
local tão amigo.
Comprei os presentes para a família,,,
Viajei com o cheque administrativo junto do coração.
Agora um desabafo. Se eu fosse um cirurgião plástico ou um
advogado será que o tratamento seria esse? . Deixo a questão para os leitores
pensarem..."
Crônica de Manoel Henrique Campos Botelho
Abril 2001
E-mail: manoelbotelho@terra.com.br
Cx. Postal 12.966 CEP 04009-970 S.Paulo SP
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